Continuando a entrevista com a conservadora e restauradora Vivian Paccico, nessa segunda parte, vemos um pouco da sua formação ao longo dos primeiros anos de contato com a área :)
Queria que você contasse um pouco sobre como era o seu curso na Estácio. Você pegou uma fase pioneira, né?
Sim. A segunda turma. Não tinha curso aqui no Rio, né? Como a gente tava falando. Foi uma luta pra conseguir um lugar. São restauradores do Rio que montaram esse projeto de curso; a Daisy Ketzer, a Alessandra Gibelli... viram esse mercado, montaram uma pauta e decidiram tentar. Foi um processo longo, até que conseguiram levar pra Estácio. Tinha uma infra-estrutura maravilhosa. Não me arrependi nunca de ter pago por isso; se fosse numa faculdade pública, não teria tido essa infra-estrutura, não teria feito tudo o que fiz. O curso fechou... as turmas eram muito pequenas. É uma coisa muito pessoal, você tem que ficar muito próximo do aluno... tem que ficar muito atento.
Queria que você contasse um pouco sobre como era o seu curso na Estácio. Você pegou uma fase pioneira, né?
Sim. A segunda turma. Não tinha curso aqui no Rio, né? Como a gente tava falando. Foi uma luta pra conseguir um lugar. São restauradores do Rio que montaram esse projeto de curso; a Daisy Ketzer, a Alessandra Gibelli... viram esse mercado, montaram uma pauta e decidiram tentar. Foi um processo longo, até que conseguiram levar pra Estácio. Tinha uma infra-estrutura maravilhosa. Não me arrependi nunca de ter pago por isso; se fosse numa faculdade pública, não teria tido essa infra-estrutura, não teria feito tudo o que fiz. O curso fechou... as turmas eram muito pequenas. É uma coisa muito pessoal, você tem que ficar muito próximo do aluno... tem que ficar muito atento.

Alunos do curso da Estácio no laboratório do Forte de Copacabana : aulas práticas de restauração de papel. Fonte.
É quase uma passagem de geração em geração. Uma tutoria.
É basicamente isso. Na minha turma, entraram 20 pessoas, 22... e formaram 13. Dei muita sorte! Foi compacto, overdose de conservação num período de 2 anos e meio. A gente ficava o dia inteiro lá. O laboratório era só daquele curso! Foi feito para a conservação. Tinha o de pintura e o de papel, um do lado do outro, conectados. Fiz de tudo. Uma pena que tenha fechado. O maquinário era incrível... e a gente não sabe o que fizeram com ele... A conservação tava num auge. Realmente, tiveram um feeling muito bom do mercado. Tinha muito projeto. Principalmente papel. O Arquivo Histórico do Exército começou a ter organização do setor de história, sistematização. Tinham convênio com a Estácio, então sempre tinha estagiário lá. Mesma coisa no Exército, no Forte de Copacabana. Ali era mais azulejo, e pintura. A gente tava num período bom... questão política, muito investimento. Todo mundo abria. Depois, teve uma pequena queda nisso [riso]. Diminuiu bastante a quantidade de projetos, mas quem tinha laboratório já tava estabilizado e continuou contratado. Basicamente tudo o que a gente tá falando, hoje, de conservação, você tava falando já naquela época. Dadas as proporções, em questão de tecnologia, é a mesma coisa.
Quais são as principais áreas da conservação, na sua opinião?
Pintura, madeira, papel... dentro de papel, fotografia... retrato, por causa do suporte... cerâmica eu não vejo tanto... mais parte de arqueologia, mas aí é difícil ter abertura, né? Até pelo pensamento dos arqueólogos. Claro, tem o restauro arquitetônico. Mas tem que ter formação em arquitetura pra fazer projeto. É delicado, um trabalho mecânico, cansativo, braçal. É toda a estrutura de estar numa obra, num andaime, falta estabilidade. Tem que ter perfil pra isso.

Restauro arquitetônico no Theatro Municipal do Rio. Fonte.*
Vários perfis diferentes podem atuar, né?
Tem muita coisa. Tem gente que vê um glamour na pintura. Honestamente, acho muito complicado, a parte que cria o glamour da pintura é justamente a que cria toda a questão ética do restauro. Você não pode criar em cima da obra. Você não tem esse direito. Você tá tentando prolongar a vida dela, não fazer uma plástica.
Como você vê a sua relação com a arte, enquanto conservadora? É o seu material de trabalho, mas tem outras relações envolvidas.
Sempre tem. Sempre gostei muito. Foi uma das minhas matérias favoritas na faculdade, sempre foi uma coisa que eu estudei, antes mesmo de entrar na faculdade. Mas tem uma mudança enorme na forma como você vê uma obra, depois de trabalhar toda essa parte da estrutura. Você olha com outro olhar. Você não vê só aquela coisa etérea, do signo, do significado da beleza ou não... vê muito mais a materialidade. Chego perto de uma obra, e falo: “Esse cara aqui fez tal técnica”. “Ó, esse aqui passou por restauro”. Só acrescentou. Não acho que seja uma interferência negativa. Ao contrário do que eu pensava quando era adolescente, que não podia trabalhar com meu hobby. Que ia parar de gostar de tudo. Não é verdade. Quanto mais eu leio, mais eu estudo, mais eu gosto. Só floreou meu hobby, no meu caso.
Você falou que o conservador não pode alterar a obra. Como funciona isso?
Tem várias vertentes. São vários teóricos, ao longo dos anos... dentro de arquitetura, paisagismo, mas tudo conversa. Nada é muito específico de uma área só. Então você praticamente consegue embasar qualquer coisa que for fazer. O problema é a parte ética, tem que ser respeitada. Tem questões, tipo... autenticidade. Não é bem legal falar “autenticidade” pela subjetividade da coisa, mas o material original da obra, do que você tá fazendo e o que tem de interferência, de irreversibilidade... como aquele material vai reagir em reação ao original, como vai envelhecer na obra... Tudo isso tem que ser pensado. E muita coisa é passada por cima. Por exemplo, uma vertente acha que tudo tem que ser tom neutro. Um pensamento antigo. Claro que é importante, mas é datado. Um conceito que não pode ser aplicado à la vonté. Então... é muito complicado, porque, como você vai dizer que não foi uma opção estética adequada? Tem que respeitar o regime histórico, estético... até o valor financeiro. Dependendo, aquela interferência tá agregando ou reduzindo o valor da obra! Tudo entra. Então... é muito complicado. Tem que estudar muito! [risos] Quanto mais a gente estuda, mais dúvida a gente tem. Tudo tem que ser muito bem embasado. E sempre vai estar passível de ser criticado. Por ser uma coisa muito subjetiva, nem todo mundo concorda. Então sempre vai ter um debate dentro dessa esfera... até que ponto a pessoa tem autonomia pra criar em cima, justificar?

Até que ponto? Fonte.
Você lidou com algum caso que te marcou?
Lidei bastante. Os piores são os que querem deixar a obra nova... Você tenta explicar que não é porque tá manchado que a estética tá atingida. Se ela mantém a leitura, nem sempre isso significa que a estética tá afetada, uma intervenção pesada. E também o caso em que a cliente fala: “Faz esse álbum e tenta manter o mais perto do original”. Mas tem que substituir tudo. Menos as fotos. Então, basicamente, você faz um álbum novo imitando o antigo... com materiais novos, mas tem que ficar parecido. É um trabalho muito pesado de tentar convencer, executar o trabalho, e a pessoa vê o resultado final e ela mesma não gosta, pede pra voltar, fazer de outro jeito... e no caso, o cliente nem sempre vai estar envolvido [com os debates], nem sempre você vai dar a sorte de uma instituição ter conservação embutida... às vezes é um curador, e nunca teve contato com ninguém da área... é muito complicado você colocar na cabeça que não é só a beleza que vai prevalecer na obraO que se está imaginando, no caso, porque às vezes vê o resultado final...
É a subjetividade mesmo, o que é belo pra um não é pra outro. Por exemplo, livro que tomou banho de clareamento. Pra mim, é inviável. Não existe, a materialidade dele tá toda ali naquele envelhecimento do papel. Tudo tem que ser questionado. Mesmo quando embasado.
Leia a terceira e última parte da entrevista aqui!
*Para saber mais sobre a reforma do Municipal e suas decisões, vide Machado (2012).
BIBLIOGRAFIA
MACHADO, Érika Pereira, A cobertura do Theatro Municipal do Rio de Janeiro: restauração ou reconstrução?. Dissertação (mestrado), IPHAN, 2012. Disponível online em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Disserta%2B%C2%BA%2B%C3%BAo%20Erika%20Pereira%20Machado.pdf. Acesso em 17 de agosto de 2019.
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