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PESSOAS & PROFISSÕES - Entrevista com Manuela Borges da Shower Plant - parte II


Essa é a segunda e última parte da entrevista com a Manuela Borges, da Shower Plant, para a coluna Pessoas & Profissões. Você pode ler o início aqui.

E como você vê essa parte burocrática?

Eu nunca fui uma pessoa com medo de burocracia porque sou de Capricórnio e, pra certas coisas, tenho um pensamento muito cartesiano: qual é o processo, o que é que tem que fazer? Quando você tem um pensamento como o meu, não tem jeito: tem que abrir um pouco a mente pra não se estressar horrores com isso. Mas, ainda assim, dos desafios, a burocracia não é o maior. Estou contando com bons fornecedores e bons conselheiros pra me ajudar nessa parte. Muitas vezes, os maiores desafios do empreendedor são também internos. Você se questiona se a coisa faz sentido, se cobra. E precisa se controlar pra não gastar todas as energias nisso.

Como você acha que isso mudou entre o seu período com o marketing, e como empreendedora, hoje? Essa relação interna, sua, era diferente?

Quando você trabalha em uma grande corporação, a impressão que dá é que a maior parte do seu esforço diário vai ser sempre pra tornar alguém, em geral acionistas e herdeiros das empresas, muito rico, e só. Rs. Para muitas dessas empresas, o propósito inicial já se perdeu. Então quando você tem a possibilidade de criar algo novo, que realmente nasceu de uma vontade maior de criar algum impacto positivo no mundo, isso te dá toda uma nova motivação para superar os desafios e seguir.

Como é isso?

Criar uma coisa do zero tem muito isso: você começa a imaginar todas os desdobramentos daquilo. Um mundo próprio. A marca, quando começa a evoluir, se personificar, ganha uma cor, uma forma, uma personalidade, um tom de voz. E você começa a pensar como vai ser esse ambiente. No final das contas, não é só um produto ou um estilo de vida, ou uma moda. A coisa vem de dentro. De um questionamento, de sentir falta de alguma algo, de uma reinvenção, de coisas que eu observei nas mulheres. A missão da Shower Plant, por exemplo, é encorajar as mulheres a aproveitarem suas rotinas de saúde, bem-estar e beleza. Essa é a ideia principal, o fundamento por trás de tudo que a gente faz.

Que tipo de produto você desenvolveu, e como você fez as fórmulas?

Na Shower Plant, acreditamos que a busca por bem-estar é um processo, uma jornada pessoal que pode e deve ser aproveitada de forma leve e flexível. Nossos produtos vêm para ser a base, o ponto de partida dessa jornada. São itens versáteis, fáceis de usar, com fórmulas saudáveis e eficientes, que podem ser usados em todos os tipos de pele e aplicados em conjunto ou alternados com outras marcas que você ama. Estamos começando com produtos de corpo, porque nosso corpo é nossa casa, nossa sustentação. Estamos vivendo esse boom de skincare, e é importante trazer a atenção pro nosso corpo primeiro, porque começa nele. Começa na alimentação, começa você cuidando dos seus sentimentos, pensamentos e atitudes.
O Kit Corporal 01*

E as fórmulas? Como você chegou nelas?

Começa com a função do produto. A partir daí começo a pensar, junto com quem desenvolve as fórmulas e especialistas em embalagem. Tem parte de conceito e tem parte prática: “Um hidratante básico, como ele tem que ser?”. Aí entra conversa com amigas, internet, a gente lê muito. Eu vivo em blog de beleza. O que se espera de um creme básico? Ele tem que ser grosso, fino, cheiroso? Quais os elementos importantes? Aí eu levo e falo: “o que a gente pode usar, aqui, de ingrediente?”. A gente traz produtos versáteis e saudáveis. O que é “saudável”? É, primeiro, deixar de lado tudo o que é suspeito. Matéria prima que tem toxicidade. Coisas muito fortes e que podem causar alergia numa concentração muito grande. A gente tem o cuidado de deixar de fora o que é suspeito, e colocar um monte de coisa boa. Derivados de coco. Extratos vegetais. Vitaminas. Manteigas de plantas. As fórmulas têm um alto percentual de ingredientes vegetais e marinhos, também porque optamos por não trabalhar com ingredientes de origem animal.

 As diferentes texturas do esfoliante salgado, gel de banho fresco e loção hidratante leve*

O que você acha de material orgânico?

Os orgânicos começaram com comida, antes de virem pra cosmético. Tudo sempre volta pra coisas anteriores. Tem um livro muito bom, chamado O dilema do onívoro. Por que dilema? Os humanos eram os que mais tinham problema com alimentação porque eles comiam de tudo. O tubarão come pessoas também, mas ele come peixe na maioria das vezes. Já tá resolvido. O panda vai comer o bambu. Mas o ser humano dominou o mundo. Os humanos ficavam o tempo inteiro num dilema de qual era a melhor dieta, se come carne, não come carne... Aí eu descobri a diferença do orgânico industrial e o orgânico orgânico. Porque primeiro, antes dessas denominações, as pessoas tinham suas fazendinhas. Era tudo em pequena escala. Conforme o tempo foi passando, foi tendo aquelas grandes fazendas de frango, o mundo foi se modernizando, as pessoas passaram a se questionar e aí veio a onda do orgânico. Orgânico tem a ver com vida, com organismo, a forma mais... primitiva de fazer as coisas. Você ter a sua fazendinha. Plantar. No livro, o autor explica a diferença entre praticar o estilo de vida orgânico verdadeiro (ter a fazendinha), e o orgânico industrial (comprar de grandes indústrias que seguem uma série de regras para poder usar essa denominação). A mesma coisa acontece com os ingredientes cosméticos. E não são os governos que regulamentam o que é orgânico. Selos, órgãos privados dizem o que é. Na prática, não existe uma definição única ou regulamentada por lei do que são cosméticos naturais ou orgânicos, nem no Brasil e nem na maioria dos países. E as definições teóricas estão sempre sujeitas a atualizações e reinterpretações. O que existem são certificações não-governamentais nas quais os produtos podem ser enquadrados após serem aprovados pelos critérios que regem cada uma delas, recebendo um selo.

Mas são regras, né?

São regras. São critérios que alguém estabeleceu. Eu acho muito importante a gente se conscientizar de tudo que a gente está consumindo. De onde vem aquilo, quais as práticas reais por trás daquela empresa de quem estamos comprando. Mas não acho saudável confiar cegamente em selos, ou acreditar da ideia de só porque algo é natural ou orgânico, é melhor. No caso da Shower Plant, optei por não adotar os selos, porque vou estar transferindo a responsabilidade pra um terceiro. Todos os meus fornecedores têm uma documentação dizendo de onde aquilo vem, de onde aquilo é extraído, de que forma, o que contém. Todas as matérias-primas passam pela nossa análise, usando nossos critérios. Então a gente vai verificar a documentação. Pra mim, foi muito mais importante fazer dessa forma do que buscar o selo X ou Y. Acredito muito mais em transparência. Estamos fazendo as fórmulas mais saudáveis possíveis, o que a gente considera de saudável. Vamos mostrar para você tudo o que tem e o que não tem dentro de cada fórmula, para que você possa fazer suas próprias escolhas.

Duas coisas interessantes foram os termos “saudável” e “bem estar”. Que permeiam toda a sua percepção. O que você concebe por “bem estar”?


Pra mim, “bem estar” são coisas que você ativamente faz de bom pra você mesma, podem variar de pessoa pra pessoa e dia pra dia. Eu acho que tem muito a ver com ser feliz. Parece... muito genérico, mas eu acho que é verdade. Num dia, pode ser... tomar um suco verde, no outro, chamar as amigas pra comer pizza... e ir pra uma balada dançar até de madrugada. É mais uma questão de você ter consciência... e fazer escolhas de coisas que te fazem bem. E eu acho que tem a ver com equilíbrio também, e com ser flexível e compreensiva com você mesma. Não existe perfeição.

Como é a relação do “bem estar” com as mudanças para as mulheres?

Eu falei das coisas que eu tava questionando. Mas teve um momento de pegar uma coisa que eu tava sentindo e ver que era coletiva. As mulheres revendo tudo. Quebrando tudo. O que era imposto. O que era verdade. E falando: “não precisa ser assim... vou fazer diferente”. Essa revolução tá acontecendo num nível geral e eu tô fazendo esse recorte no nível de saúde e bem estar. Fiz entrevistas com mulheres, fizemos rodas de conversas, para entender esse momento que estamos vivendo.

Como foi isso pra você?

No começo de 2016, não tinha #bodypositive. Não tinha #nomakeup. Não tinha. Mas... eu já tava começando a sentir uma saturação desse modelo de beleza mais tradicional, de que eu te falei no início da entrevista. E aí foi muito louco, porque, na Índia, parte do tratamento era: “pare todos os seus cremes. Durante um mês, você não vai usar creme nenhum. Você não vai usar xampu. Vai usar o pozinho de ervas que eu te dei aqui. Esfrega com água”. E eu fiquei: “han!!” [risos]. É um detox mesmo, do que você passa na pele, de tudo. Eu falava assim: “mas eu nunca mais vou poder usar meus cremes?!”. [risos] E ele falava: “não, você vai poder usar. É o momento de te limpar”. Como se fosse um respiro. Eu me transformei e ele falou: “Pode usar o creme, Manuela, não vai te fazer mal. É só um creme”. Óbvio que alguns ingredientes é melhor você não usar, mas não caia nessa armadilha da cultura do medo do mundo ocidental. A gente vê muita marca, hoje em dia, indo pra essa veia do orgânico, natural, e todas as outras coisas são tóxicas e malvadas. “Pare tudo o que você está fazendo agora, senão você vai ter câncer”. Essa campanha, essa cultura do medo. Acredito zero nisso. Porque eu tive a escola da Índia. E quando você estiver equilibrada, e os seus “doshas” estiverem alinhados e a sua saúde estiver boa, você vai estar forte pras coisas externas do mundo.

Entendi.

Enfim, falaram pra eu parar tudo o que eu tava fazendo. Durante um mês, eu não pintei a unha, não me depilei... Sei que é polêmico. Às vezes. Mas foi libertador pra mim. Então essa coisa da desconstrução aconteceu de fato, entendeu? Cabelo também. Passei a gostar do meu na cor natural. Sem julgamento com quem gosta de fazer luzes ou pintar, mas tem que ser uma forma de expressão. E não uma obrigação. E eu fazia as coisas no automático, e via tantas mulheres fazendo! E no trabalho tinha que usar salto alto, maquiagem e perfume, como se fossem ferramentas para ganhar respeito. Se o seu estilo pessoal fosse diferente disso, paciência. Quando eu voltei da viagem, comecei a conversar com pessoas e começou a fazer sentido, mas ainda tava num momento embrionário. #bodypositive foi 2017. Acompanhei em momento real. Agora a gente tá passando pelo momento dos pêlos, né? Que já tem alguns movimentos na internet pró-escolha.

O que mais tem nessa mudança?


Ao longo do tempo, é uma luta, né? Sempre foi. A gente vive um momento de mudança assim: anda um pouquinho pra frente, anda dois pra trás, anda um pouquinho pra frente... [risos] Preconceito, assédio, feminicídio, não é possível! Mas teve evolução. Muita coisa do que a gente faz é pelas lutas das mulheres, anos 40, anos 50, e essas, as de antes. Eu tento olhar o lado positivo das coisas, e elas têm um motivo de ser. A gente tá vivendo esse momento de grande mudança no mundo, de forma mais geral; sobre as mulheres, tem muitos problemas. Tem os problemas velhos que retornam. Tem os problemas velhos que ainda não se solucionaram. E tem novos problemas [risos]. Mas também coisas boas que aconteceram, liberdades que a gente tem. Ser quem a gente quer ser, em primeiro lugar. Escolha. Papel da mulher. Ter filho. Não ter filho. Eu acredito muito em fazer o bem, e contribuir pro mundo. Mas não acho que toda mulher precise ter um filho. Necessariamente. E aí passa por isso: questões de trabalho e também tem a das classes. Eu incentivaria as mulheres e espero incentivar e espero poder falar disso através da Shower Plant, futuramente: “busque a sua independência, para você ter a liberdade de, junto com o seu parceiro ou parceira, fazer a escolha de arranjo familiar que não te deixe presa a uma situação. Ou você pensar na sua carreira de uma forma que não te deixe presa a um trabalho que faz mal pra você”.

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Alinhamento, projetos, independência, equilíbrio participaram amplamente do processo de constituição da Shower Plant. Empreender pode e deve ter a ver com contribuir com o mundo e com nossa noção pessoal de melhoria! Para conhecer mais sobre a marca e comprar os produtos, visite showerplant.com.

*Imagens gentilmente cedidas pela Shower Plant.

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