Olá, pessoal! Como vocês perceberam, o Trama sofreu um pequeno hiato nessas últimas semanas. Isso não teve a ver com o fim do projeto, mas sim com as dificuldades normais de empreitadas iniciantes. Então nada melhor do que um conteúdo arrojado para retomarmos :) Hoje abrimos uma coluna nova: Pessoas & Profissões!
Nutro um grande amor por entrevistas e nada melhor para reforçar o caráter variado e interativo desse espaço. Afinal, é com diálogo que podemos enriquecer mais, e juntos. Então, na P&P, teremos uma diversidades de entrevistados abordando temas que os motivam, suas instigações
com o mundo do trabalho, idéias, lampejos e visões pessoais que o levam a fazer
coisas. Um movimento tão inerente às nossas noções humanas, e, freqüentemente, deixado de lado... como se as definissões de profissão, criação, atividades fossem estanques!
Cada entrevistado se dispôs de boa vontade a conversar conosco. Não recebi regalias ou benefícios durante as conversas. Pelo contrário: o maior presente é poder trocar com transparência sobre a trajetória de cada um e repensar um pouco nosso mundinho e nossas manières de faire.
Hoje, a Manuela Borges recapitula como questões pessoais
modificaram sua visão de mundo, e, consequentemente, nutriram uma idéia que
virou produto. Manuela se aventurou pelo design, pela moda, pelo marketing.
Lançou, ainda, um Guia de brechós no Rio de Janeiro, antes de enveredar pelas
áreas de saúde, beleza e bem estar. Ontem, lançou a Shower Plant, marca de
cosméticos com os quais sintetiza um longo processo de mudança interna e da sua
relação com o mundo, e também com ondas coletivas, que considera marcantes. Conversamos sobre esses pontos numa troca super fluida no seu escritório, na Barra
da Tijuca. Dada a extensão do papo, dividimos a entrevista em duas partes. Você pode ler a próxima aqui!
Você se apresenta pra mim?
Tenho 33 anos. Me formei em Design
na PUC. Tava precisando de uma atividade mais criativa, e achei que o Design
era uma boa faculdade. Aí fiz especialização em negócios de moda, e, depois,
pós-graduação em Marketing. Trabalhei um tempo como designer, depois como
stylist de sessões fotográficas pra revistas. Mas, a maior parte do tempo, atuei
no departamento de marketing de marcas de moda e estilo de vida.
Onde você trabalhou?
Comecei como estagiária na
Maria Bonita Extra, que não existe mais [risos]. Era a marca millenium de 20
anos atrás, quando os milleniums nem eram falados ainda. Se existisse o
Instagram, na época... inclusive, se tivesse uma reedição, hoje, eu acho que ia
fazer muito sucesso. Aí trabalhei na Dona Coisa, uma multimarca mais de luxo no
Jardim Botânico. Depois fui pra Dress To. Lá, foi bem bacana a experiência; entrei
como visual merchandiser, pra cuidar de vitrine. Mas, logo depois, fui pro
marketing... gosto dessas coisas: comecei um projeto de reposicionamento da
marca infantil. Durou um ano, e foi basicamente transformar uma marca bem
infantil numa marca de pré-adolescente. De lá, fui pra L’Oréal. Apesar de eu
amar muito, sempre amei, moda, beleza, estilo de vida, o mercado de moda tinha
muita limitação... sobre o que é que você podia se envolver... sabe?
Ah, é?
A área de marketing de moda
acabava sendo muito focada só em comunicação. Cuidava das fotos, do Instagram,
do visual das marcas, mas marketing é muito mais que isso, né? Passa por preço,
posicionamento, branding... tudo! Eu sentia falta de me envolver mais na
estratégia, nas finanças. Acabei na L’Oréal, trabalhando com as marcas “prestígio”, de propriedade da L’Oréal, mas independentes. Marcas globais de
moda, a L’Oréal é dona do braço cosmético deles. É responsável por criar,
vender, comercializar todos os perfumes. Claro que tem uma interseção. Como eu
vim da moda, teve fit. Eram produtos de beleza, mas, ao mesmo tempo, de
moda. Então fiquei quase 3 anos lá como gestora, aí sim, o que eu
queria: cuidar da marca como um todo no país. Aprendi litros. Fiz isso com:
Ralph Lauren, Armani, Cacharel, Diesel, das calças jeans... antes de ter
a idéia da Shower Plant. E aí já foi um outro momento de transição.
E como é que foi?
Engraçado, dificilmente as boas
idéias, os bons projetos surgem em momentos que você tá super de boa,
tranquilo, sem nenhuma preocupação, né? Normalmente essas coisas vêm de
momentos de crise, desconstrução. E foi exatamente o que aconteceu comigo! Eu
lia essas histórias sobre empreendedores e achava tudo balela. Mas aí falei:
“Caramba, é verdade!”. Tem certas coisas que te levam. Não é do nada, sabe? No
meu caso, foi uma mistura. Já tava um pouco cansada, por conta de questões de
estresse e de trabalho... muita pressão, comecei a me questionar várias coisas.
Esse modelo de vida que eu vinha levando, de ser muito workaholic, de não comer
direito, de tomar muito café, de virar noites, noites, e noites... e o próprio
corpo do meu trabalho, essas marcas de beleza, de luxo, incríveis, mas que
tinham um discurso sempre igual, comecei a cansar. No começo era novidade, mas
depois falei: “Gente, é sempre a mesma imagem sexualizada. Aquela mulher
photoshopada”. Via minhas colegas trabalhando nas marcas de creme,
dermocosmético, sempre “conserte sua ruga, apague suas marcas, fique lisa,
fique jovem”. Tava tudo muito maçante naquele momento. E aí juntou as duas
coisas. Ah, e teve um grande detalhe. Toda essa loucura de trabalho e uma vida
completamente desregrada fez eu ficar doente mesmo. Não assim... “ah, meu
deus... vou tirar um sabático”. Não. Crise de esgotamento. E aí eu fui fazer
uma viagem pra Índia, te falei isso?
Não!
Eu fui. Que também é outro
clichê. Mas, no meu caso, não foi. Eu fui prum hospital mesmo. Uma clínica, pra
tratar do meu problema de saúde, porque não tava dando jeito aqui no Brasil. Tive
que tomar remédio forte. Não adiantou, me fez ficar mal, deprê. Um tio tinha
ido pra Índia e falou: “Manuela, tenta esse hospital.
Eu fui e adiantou muito!”. E eu falei: “Mas que hospital? Que isso? Índia?”. Eu
visualizava um Lourenço Jorge... um Copa d’Or [risos]. Aí ele: “Não, Manuela.
Não é assim. É uma clínica que parece uma pousadinha em Rio das Ostras. Uma coisa
simples. No meio do mato. Uma casa com vários quartos, só que tem
massagem com óleo, a comida é vegetariana”. Você fica lá um mês, que eles
chamam de “internação”. E mudou a minha vida. Fui sem a menor
noção do que esperar, de mala e cuia. São dois, três dias de viagem pra chegar
lá...
Você foi sozinha?
Fui. Você pega vários aviões. O tratamento não era caro, não era um SPA. De luxo. Era uma pousadinha
muito simples. O preço, pra gente, é relativamente barato, pro que eles
oferecem: casa, comida, todos os tratamentos incluídos por um mês. Por esse
dinheiro, aqui no Brasil você paga três sessões de depilação a laser [risos].
Aí eu fui. Passei esse um mês. E voltei não só muito renovada... pele... tudo. Sabe?
O cérebro funcionando muito melhor. Tem um monte de coisa que eu aprendi. E que
me fez juntar esses questionamentos, organizar. A idéia de unir saúde, bem
estar e beleza surgiu lá. Para eles, tá tudo interligado. É o aprendizado
central: o que você faz com a sua saúde influencia na sua beleza, o que você
mentaliza influencia em como você se sente, na sua saúde; você ficar estressado
vai fazer você ficar gripado, o que você come... Você volta com uma dieta
específica, com um monte de tarefa pra fazer. Não foi assim: “voltei e me
transformei numa pessoa super mega saudável”. São altos e baixos. Eu não sou
mega fitness, mega alimentação perfeita. Mas o aprendizado é o que ficou. É
você se auto conhecer, auto observar. Passei a cozinhar também. Eu não sabia
cozinhar nada. Minha alimentação era só comida congelada. Então, tem várias
melhorias, mas não é a perfeição. É uma jornada que continua acontecendo.
Quando foi isso?
Começo de 2016, a primeira
vez. Depois eu fui de novo no início de 2018. A idéia é ir de 2 em 2 anos.
E você pretende continuar
fazendo?
Sim. A medicina que eu fui
praticar lá se chama ayurveda, e tem há 5 mil anos, e eles são muito bons no
que fazem. O processo que fiz se chama “panchakarma”. Um detox mais
sério. A idéia deles é: a gente come mal, chega uma hora que fica saturada. Era
o momento que eu tava. Estressada, bebendo café, comendo mal... eles querem que
você se reequilibre. E, pra isso, tem uma desintoxicação.
Como foi sua volta para o Brasil?
Voltei com toda essa bagagem
de aprendizados e pensando que havia espaço no nosso mercado pra falar de
beleza de forma diferente. De uma forma que não colocasse a aparência da mulher
como um problema a ser resolvido, e juntasse também os conceitos de saúde e
bem-estar, e não tivesse um foco só no visual, no estético. E então nasceu a
ideia da Shower Plant. O nome vem da prática de decorar banheiros com plantas
para trazer vibes de spa pra dentro do nosso próprio banheiro.
E então?
Então falei: “preciso saber
se essa idéia vai dar certo. O mais rápido possível. Então é
melhor eu fazer tudo, e botar no mercado pra ver se
vai dar certo. Se der, ótimo. Se não, eu já paro e vou fazer outra
coisa” [risos]. Entendeu? Existe essa glamourização: “trabalhei no escritório
durante o dia e, à, noite, eu virava a noite fazendo o meu business, e aí só
depois eu larguei, mas, durante muito tempo eu trabalhei dois turnos”. Fui
parar no hospital por causa de trabalhar muito. Isso não é glamour. E eu
acredito muito em foco, sabe? “Ah, eu faço mil coisas”... Tem gente que
realmente faz, e é bacana. Mas quando é falado de uma forma clichê e
glamourizada... por isso, falei: “Vou focar”. Tiveram pessoas que abraçaram o
projeto desde um momento muito inicial. São as mais preciosas pra marca. Os
designers, principalmente. Que fizeram a identidade visual, e ajudaram a
construir o DNA da Shower Plant. Mostrei a ideia em 3 slides de Powerpoint na
nossa reunião na época, e eles embarcaram de cabeça. E estão comigo até hoje.
Como foi esse primeiro ano e
meio, antes de você ter uma sala concreta?
Sempre encontrando com muita
gente. Quando você tá empreendendo, é muita
coisa nova. Você tem que saber um pouco de tudo. Mesmo que você não se
aprofunde, tem que conhecer tudo o que tá fazendo. Primeiro, conhecer
o mercado em que quer entrar. Por mais que eu conhecesse a área de beleza,
não sabia como era o processo produtivo, porque as marcas com que eu trabalhava
eram importadas. Tive que ir atrás. Tudo começou com muita conversa. E até
hoje, só que no começo muito mais, porque você não tem nada. Você não tem no
que trabalhar. Você precisa aprender. Então foi com muita conversa com todos os
fornecedores. Todas as fábricas que eu podia encontrar na frente. Marquei com
todos. Aí um ia me indicando outros. Fui fazendo essa pesquisa e também colocando no papel. Em agosto de 2017 é que eu
realmente gastei o primeiro dinheiro, com uma psicóloga focada em
empreendedorismo. E ela faz um trabalho muito legal, que chama Trajetória de
vida. Ajuda empreendedores a entender sua visão, onde aquilo se encaixa na
vida deles e traçar um plano de, tipo, dez anos, não pra você fazer passo a
passo, mas pra ajudar você a enxergar lá na frente. E eu, que sou toda
metódica, adorei. Me dei super bem. A partir dali, ela me deu vários insights. Montei
um plano e fui seguindo. Eu tenho muito esse lado de criatividade, artístico,
mas tenho esse outro de ser concreta e me organizar, o que me possibilita
mobilizar as idéias e tornar isso um projeto de fato.
Gastar o dinheiro foi um marco,
pra você?
Foi um marco total. Antes eu
tava sem um tostão mesmo. Não sabia muito bem como fazer, sabe? Tem um detalhe
também: quanto mais no início você tá, menos você tem o poder de convencer as
pessoas a te ajudarem. Minto. Por um lado, as pessoas querem muito te ajudar,
porque você ainda não tem nada. Mas, quando é alguma coisa que tem a ver com
dinheiro, é mais difícil de você conseguir.
E como você levantou esse
montante?
O primeiro montante, uma tia
me deu e falou: “Usa como você achar melhor”. E eu usei pros processos iniciais.
Essa mesma tia me deu mais dinheiro. Fui lá pedir. Falei: “gastei assim,
assim, assim”. Usei na identidade visual e no desenvolvimento das fórmulas. Depois,
falei: “Vai acabar. [risos] Eu vou precisar de dinheiro pra próxima etapa”. Cheguei
a pensar em fazer crowdfunding. Mas falei: “Vou buscar investidor externo”,
pessoas físicas, “e vou tentar pelo menos o que preciso pra lançar, e depois
fazer outra rodada”. A coisa tem que ser feita em etapas. No fim do ano passado,
consegui esse investimento que faltava com outros quatro investidores. Todas
mulheres, olha que legal!
E quais foram, ou são, os
maiores desafios pelos quais você passou?
O desafio geral do
empreendedorismo acho que vai ser sempre o fato de que você precisa
subir a escada sem conseguir ver os degraus. Precisa acordar, fazer o que tem
que fzer e seguir em frente sem a menor ideia de vai dar certo ou não. Lidar
com a falta de garantias. dar seu melhor sempre sem saber se aquilo vai
compensar ou não. Tudo envolve risco. E mobilizar um monte de pessoas em prol
de algo que você mesma criou. Como pegar um propósito que inicialmente é seu e
torná-lo um propósito comum. Outros desafios são a burocracia em geral e ter
que lidar com absolutamente todos os aspectos de uma empresa porque ninguém vai
fazer isso pra você. Existe toda a parte estratégica, e existe ir comprar papel
toalha pro escritório, rs.
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